sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Iupi


"E aí? Com emoção ou sem emoção?" meu pai perguntava, mãos ao volante, comigo no banco de trás.  

Eu tinha uns onze ou doze anos, e naquela época eu já era meio medroso, provavelmente preferiria a calmaria da normalidade do que sair da rotina pra variar. 

Mas não deu tempo, já estávamos no tal caminho emocionante. 

Meu tio que havia descoberto - ou um amigo dele, algo assim - uma rua em forma de ladeira perto da minha casa. Meu avô dizia que quando chegara na cidade esse bairro era praticamente um monte de morros, e como resultados as ruas se tornaram um monte de subidas e descidas. 

Não era nada demais essa "emoção" - o pessoal descia essa ladeira com um pouco mais de velocidade. Dava um friozinho na barriga, algo como quando a montanha russa começa a descer e você (caso tenha um medo terrível de altura, como eu) começa a se perguntar de quem foi a ideia brilhante de subir nesse monstro. 
Mas era só isso: uma ladeira, um friozinho na barriga, um "iupi" e acabou, em um minuto estamos em casa.

Um "iupi". Um simples friozinho na barriga, e por mais que fosse sempre a mesma coisa, a gente passava pelo "iupi" sempre que possível. Virou uma rotina para a gente, sempre que meu pai ou tio estavam ao volante. Chamávamos a rua de "Rua do Iupi", e era de lei dizer o tal "iupi!" enquanto estávamos em ação.  

Um tempo depois eu deixei de gostar do Iupi. Algo me dizia que era uma peripécia perigosa, que poderia acabar de jeito ruim. Pedia pro meu pai fazer outro caminho, ou pra deixar o iupi pra outro dia. Eu era um pirralho meio chato, e quando lia alguma coisa sobre segurança no trânsito (meu avô vivia trazendo esse tipo de material), ficava meio bitolado. 

Hoje em dia a Rua do Iupi virou contramão. Colocaram semáforo, placa, algo assim. Aparentemente a fama do Iupi se espalhou e alguns motoristas menos cuidadosos chegaram a causar acidentes. Depois não digam que não avisei! 

Mas hoje eu sinto falta dos friozinhos na barriga.