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quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Ele se foi

 

Eu ando com alguns pensamentos muito negativos ultimamente, alguns mórbidos, alguns tristes, de qualquer forma estou tentando aprender alguma coisa com isso tudo.

Este ano eu fiz 31. Estou ficando velho, e as pessoas ao meu redor também estão, e eu estou tentando me acostumar com essa realidade.

Os meus avôs e avós se foram todos, há alguns anos. Todos muitos jovens, por sinal, na casa dos 60-70.

Alguns tios-avôs e tias-avós estão envelhecendo, e vai chegar o dia que serão meus tios, meus pais, talvez meus primos, minhas irmãs. E talvez eu tenha que ser a pessoa a contar para alguém.

Quando cada um de meus avôs e avós faleceram, eu fiquei sabendo de um jeito diferente.

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Vó Maria

A vó Maria (mãe da minha mãe) foi a primeira a partir. Eu era adolescente ainda, mas não lembro quando foi.
Eu me lembro do último abraço que eu dei nela, e me lembro que ela estava com alguma doença estranha, mas ninguém sabia dizer exatamente o que era. Ela vomitava do nada, mas fora isso não parecia muito grave. Por isso o falecimento dela foi um baque.
Isso, e o fato de que ela era a pessoa mais carinhosa do mundo.
Eu não sei se existe essa categoria no Guinness, mas certamente ela deveria estar lá.

Quando a vó Maria se foi, eu fiquei sabendo através da Cilmara, que no momento era nossa vizinha de corredor no condomínio e eventualmente viria a ser minha madrinha. Era cedo, coisa de 05:00 ou 06:00 da manhã, e ela me acordou no meu quarto (provavelmente ela tinha uma chave de casa para emergências), dizendo mais ou menos assim:

"Marcelo... aconteceu uma coisa chata. Tua avó morreu."

Eu não lembro se chorei ou não, na hora, eu lembro que tudo parecia confuso, como se eu estivesse dormindo ou sonhando ainda.

A Cilmara teve um pouco de tato, mas a mensagem veio de sopetão. Como se ela dissesse "vou arrancar esse esparadrapo", e arrancasse antes que eu me desse conta.

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Vó Ana

A vó Ana (mãe do meu pai) se foi não muito tempo depois da vó Maria. Eu ainda era adolescente, e provavelmente não estava completamente cicatrizado da partida da vó Maria.

Ao contrário da vó Maria, que foi "do nada", a vó Ana teve uma série de complicações de saúde antes de falecer, então foi menos chocante, mas mesmo assim foi doloroso. Eu amava muito a minha avó, mas só pude dizer isso a ela recentemente, em um sonho.
 
A notícia dessa vez veio pelo meu pai, a situação foi muito similar à anterior, eu estava dormindo e ele me acordou de madrugada.

"Marcelo, acorda. Minha mãe morreu."

Eu acordei, e lembro que ia começar a chorar. Mas meu pai não deixou.

"Levanta. Vai se arrumar."

Essa interrupção foi como um tabefe com palavras, e empurrou o choro todo para dentro.
Eu não chorei antes, nem durante, nem depois do velório e do enterro.

Hoje eu entendo que o meu pai estava no "piloto automático" para conseguir resolver a situação sem quebrar no processo e eu o perdôo por isso. Mas não doeu menos.

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Vô Wilson

Meus avôs resolveram "durar" alguns anos mais que as minhas avós, mas ainda assim partiram cedo.

O vô Wilson (pai da minha mãe) se foi no meu aniversário de 16 anos, como eu já contei aqui no blog (pesquise o nome dele caso esteja interessado).

Como eu não ia fazer festa, devido já não gostar de fazer aniversário, meu avô foi com meus tios pescar ou algo assim, e durante a atividade teve um ataque cardíaco.

Ele foi levado ao hospital, mas não resistiu.

Devido minha mãe ter ido visitá-lo no hospital, as pressas, quem me deu a notícia foi o tio Mario (que nem ao menos é parente do vô Wilson, mas recebeu a missão).

Eu não me lembro exatamente as palavras que ele usou, mas ele me contou a situação com detalhes e com calma, com a voz macia de quem explica algo para uma criança, mas direto ao ponto.

- Você sabe o que aconteceu com o seu avô?
- Ele passou mal e foi pro hospital.
- Sabe que sua mãe foi lá, certo?
- Sim, para visitar ele.
- Não exatamente, Marcelo. Ele se foi.

"Ele se foi".

Nunca é uma notícia boa de se receber. Mas essa provavelmente é a forma mais madura e menos dolorida de entregar.

Não foi um dia feliz. Mas a notícia veio do jeito que precisava vir.

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Vô Zé

O vô Zé (pai do meu pai) partiu dois anos depois, eu tinha 18 anos.

Ele estava doentinho, sofreu AVC, sofreu acidente, mas estava firme e louco de vontade de ficar bom e sair dessas "férias forçadas" a que ele foi submetido. Mas nos preparativos para uma cirugia ele não resistiu e se foi.

Como eu já contei aqui no blog (pesquise por Zezinho), eu fiquei sabendo ao ouvir a minha irmã chorando ao telefone em outro cômodo. O que significa que ninguém "me contou", mas me parte o coração lembrar a cena até hoje. Não sei como foi a situação e o que estava acontecendo no dia, mas acho que teria sido melhor mandar alguém dar a notícia pessoalmente, como foi nas outras vezes.

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Por algum motivo essas cenas, essas situações estão rondando meus pensamentos mais do que eu consideraria saudável.

Talvez eu só esteja tendo uma semana ruim, mas como disse anteriormente, estou tentando tirar algo de bom disso tudo.

A principal lição, eu acho, é, que algum dia eu vou precisar ser esse mensageiro. E se for, é melhor que eu seja um tio Mario.


sexta-feira, 12 de junho de 2020

Capitão do Coração


Creio que falar os efeitos das músicas sobre o humor e a imaginação das pessoas é chover no molhado mas me acompanhe por um minuto. 

Para mim, algumas músicas têm um poder de ambientação tão forte que elas meio que me levam para uma realidade paralela. 

Algumas vezes é só um sentimento, meio vago, aquela coisa de sentir saudades de um tempo que você não viveu. 

Outras vezes é um negócio tão claro que eu consigo visualizar a cena, sentir os cheiros, sentir a temperatura, e sentir o que a minha versão nessa realidade paralela está vivendo. 

A música The Captain of Her Heart (Double) é uma do segundo tipo. 


Nostálgica, fria, lenta. A letra não é muito importante aqui, mas a ambientação. 

É uma balada bem anos 80, época em que ela foi lançada. 

Mas ela me leva a algum tempo depois. O início dos 90. 

Para quem não sabe, eu meio que nasci nos anos 90, então eu era uma criança. Mas nessa realidade paralela eu já tenho vinte e poucos. 

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São Caetano do Sul. Uma noite qualquer de inverno em 1992. 

É noite. Deve ser um tanto tarde, talvez umas 23h00 mais ou menos. 

Faz um frio tão desgraçado que as pessoas estão preferindo ficar em casa. 

Nem a Avenida Goiás, que comporta grande parte da vida noturna da cidade, parece ter escapado desse efeito. 

Está tudo deserto. 

Andamos pelo centro da cidade, meu primo Max e eu. 
  
Encolhidos em nossas jaquetas de couro, passamos pelos pequenos desertos gelados que se tornaram as ruas dessa cidade. 

As lojas já estão fechadas, mas os letreiros iluminados pelo gás neon continuam ligados. Isso confere uma familiar iluminação rosa e azul a alguns pontos da avenida. 

Mas, na sua maioria, a iluminação é simples e soturna, com as lâmpadas amarelas dos postes iluminando estritamente o suficiente. 

Não conversamos. Apenas curtimos a companhia um do outro.

E andamos. 

Nós resolvemos visitar o shopping. 

Ele já deveria estar fechado, mas como tem uma sessão de cinema acontecendo, acabou ficando aberto além do horário costumeiro. 

Caminhamos pelo shopping. As lojas estão fechadas, o que não é uma grande surpresa. No primeiro andar não tem nada de muito interessante. 

No segundo andar, o fliperama. Deve ter fechado há pouco tempo, já que o cheiro de cigarro ainda paira sobre o ar. 
A visão das máquinas desligadas e o silêncio dão uma visão de contraste. O lugar costuma ser sempre colorido e barulhento. 

O terceiro andar. Aqui só tem o cinema. O cheiro de cigarro fica mais ameno. Aqui o que predomina é o de pipoca. 

Resolvemos subir no terraço do shopping. Pelas escadas de emergência. 



Alguns avisos dizem que é proibido. Mas não tem nenhum guarda, nenhuma câmera. Não vai acontecer nada. 

Chegamos ao terraço. 

Não tem nada demais aqui. Um extenso chão de cimento, paredes altas. Aqui em cima parece que é mais frio do que lá embaixo. 

Meu primo me oferece um cigarro. 

Nós não trocamos muitas palavras. 
Não fazemos nada demais. 
Nós nos conhecemos. 
Caminhamos. Curtimos. 
Cometemos um ato inocente de rebeldia. 

Essa é a nossa diversão. 

Não precisamos de muito.

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